Darwin argumentou em seu livro Origem das Espécies que a ocorrência generalizada de órgãos vestigiais – órgãos que, possivelmente, uma vez tiveram uma função, mas que agora são inúteis – é evidência contra a criação. “Sobre o ponto de vista de que cada organismo com todas as suas partes separadas tendo sido especialmente criadas, como totalmente inexplicável seja que os órgãos trazendo a marca nítida de inutilidade… devesse tão frequentemente ocorrer.” Mas tais órgãos, ele argumentou, são prontamente explicados por sua teoria: “No ponto de vista da descendência com modificação, nós podemos concluir que a existência de órgãos numa condição rudimentar, imperfeitos e inúteis, ou quase abortados, longe de apresentar uma dificuldade estranha, como eles, sem dúvida, fazem na antiga doutrina da criação, podem até ter sido antecipados de acordo com os pontos de vista aqui explicados.”[25]
Em seu livro The Descent of Man, Darwin citou o apêndice humano como um exemplo de órgão vestigial. Mas Darwin estava errado: hoje sabemos que o apêndice é uma fonte importante na produção de anticorpos das células do sangue, e assim parte integral do sistema imunológico humano. Ele pode também servir como compartimento para bactérias benéficas que são necessárias para a digestão normal. Assim, o apêndice não é de jeito nenhum inútil.[26]
Em 1981, o biólogo canadense Steven Scadding argumentou que embora ele não tivesse nenhuma objeção ao darwinismo, “os órgãos vestigiais não fornecem nenhuma evidência para a teoria evolucionária”. A razão principal é que “é difícil, se não impossível, identificar inequivocamente órgãos totalmente desprovidos de função”. Scadding citou o apêndice humano como um órgão previamente tido como sendo vestigial, mas agora sabido ter uma função. Outro biólogo canadense, Bruce Naylor, contrapôs que um órgão com alguma função ainda pode ser considerado vestigial. Além disso, Naylor argumentou, “organismos perfeitamente planejados necessitariam a existência de um Criador”, mas “os organismos frequentemente são algo menos do que perfeitamente planejados” e assim melhor explicados pela evolução. Scadding respondeu: “Todo o argumento de Darwin e de outros com respeito aos órgãos vestigiais giram em torno de sua inutilidade.” Do contrário, o argumento da vestigialidade nada mais é do que um argumento de homologia, e “Darwin lidou esses argumentos separadamente reconhecendo que eles eram de fato independentes”. Scadding também objetou que o argumento de Naylor – “menos do que perfeitamente planejado” – era “baseado numa pressuposição teológica sobre a natureza de Deus, i.e. que Ele não criaria estruturas inúteis. Qualquer que seja a validade dessa afirmação teológica, ela certamente não pode ser defendida como uma declaração científica, e por isso não deve ter lugar numa discussão científica da evolução”.[27]
Em seu livro Why Evolution Is True, Coyne (como Darwin) citou o apêndice humano como exemplo de um órgão vestigial. Diferentemente de Darwin, todavia, Coyne admite que “ele pode ser de algum uso mínimo. O apêndice contém trechos de tecido que podem funcionar como parte do sistema imunológico. Também tem sido sugerido que ele fornece refúgio para as bactérias intestinais úteis. Mas esses benefícios mínimos certamente são superados pelos problemas severos que vêm com o apêndice humano”. De qualquer modo, Coyne argumenta, “o apêndice ainda é vestigial, pois não exerce mais a função pela qual evoluiu”.[28]
Como Scadding tinha destacado uns trinta anos atrás, todavia, o argumento de Darwin se fundamentava na falta de função, e não na mudança de função. Além disso, se a vestigialidade fosse redefinida como propõe Coyne, ela incluiria muitas características nunca antes pensadas como sendo vestigiais. Por exemplo, se o braço humano evoluiu de uma perna de mamífero de quatro pernas (como afirmam os darwinistas), então o braço humano é vestigial. E se (como argumenta Coyne) as asas de aves voadoras evoluíram de membros anteriores emplumados de dinossauros que as usaram para outros propósitos, então as asas das aves voadoras são vestigiais. Isso é o contrário do que a maioria das pessoas quer dizer com “vestigial”.[29]
Coyne ignora também a outra crítica de Scadding, argumentando que se o apêndice humano for ou não inútil, ele é um exemplo de design imperfeito ou ruim. “O que eu quero dizer com ‘design ruim’”, Coyne escreveu, “é a noção de que se os organismos foram construídos por um designer desde o começo – alguém que tivesse usado os blocos biológicos construtores, ou os nervos, músculos, ossos, e assim por diante – eles não teriam tais imperfeições. Design perfeito seria verdadeiramente o sinal de designer capacitado e inteligente. Design imperfeito é a marca da evolução; na verdade, é exatamente isso que nós esperamos da evolução.”[30]
Um exemplo ainda melhor de design ruim, Coyne argumentou, é a prevalência de “genes mortos”. Segundo a versão moderna de Darwinismo que Coyne defende, o DNA carrega um programa genético que codifica proteínas e que dirige o desenvolvimento embrionário; as mutações ocasionalmente alteram o programa genético para produzir novas proteínas (ou mudar seus locais); e depois a seleção natural seleciona essas mutações para produzir a evolução. Nos anos 1970, contudo, biólogos moleculares descobriram que a maior parte de nosso DNA não codifica proteínas. Em 1972, Susumu Ohno chamou isso de “lixo”, e em 1976 Richard Dawkins escreveu: “Uma grande fração do DNA nunca é traduzida em proteína. Do ponto de vista do organismo individual isso parece paradoxal. Se o ‘propósito’ do DNA é supervisionar a construção de corpos, é surpreendente encontrar uma grande quantidade de DNA que não faz isso.” Do ponto de vista da evolução darwinista, todavia, não há nenhum paradoxo. “O verdadeiro ‘propósito’ do DNA é sobreviver, nem mais nem menos. O modo mais simples de explicar o DNA extra é supor que ele é um parasita, ou melhor, um passageiro inofensivo, mas inútil, pegando carona nas máquinas de sobrevivência pelo outro DNA.”[31]
Como Dawkins, Coyne considera que grande parte de nosso DNA é parasitária. Ele escreveu em Why Evolution Is True: “Quando uma característica não é mais usada, ou se torna reduzida, os genes que fazem isso não desaparecem instantaneamente do genoma: a evolução para a ação delas, inativando-as, não as removendo do DNA. Disso nós podemos fazer uma predição. Esperamos encontrar, nos genomas de muitas espécies, genes silenciados, ou ‘mortos’; genes que foram úteis uma vez, mas não estão mais intactos ou expressos. Em outras palavras, deve haver genes vestigiais. Ao contrário, a ideia de que todas as espécies foram criadas do zero prediz que tais genes não existiriam.”
Mas Coyne está completamente errado.
Evidência saindo de projetos de sequenciamento de genomas mostra que virtualmente todo o DNA de um organismo é transcrito em RNA, e que, embora a maior parte daquele RNA não seja traduzida em proteínas, ele realiza funções reguladoras essenciais. Cada mês, os periódicos científicos publicam artigos descrevendo mais dessas funções. E isso não é uma manchete de última hora: a evidência tem se acumulado desde 2003 (quando os cientistas acabaram de sequenciar o genoma humano), que os “pseudogenes” e outras sequências assim chamadas de “DNA lixo” não são, afinal de contas, inúteis.[33] O livro Why Evolution Is True ignora esse enorme conjunto de evidências que refutam decisivamente a predição darwinista de Coyne de que nosso genoma deveria conter bastante DNA “morto”. Não é de admirar que Coyne sempre fique no tipo de argumentos teológicos que Scadding escreveu “não deveriam ter lugar numa discussão científica da evolução”.
15. Coyne, Why Evolution Is True, p. 79; Darwin, The Origin of Species, capítulo XIV, p. 386-396. Disponível online (2009) aqui.
16. Darwin, The Origin of Species, chapter XIV, p. 387-388. Disponível online (2009) aqui.
17. Coyne, Why Evolution Is True, p. 73; Karl Ernst von Baer, “On the Development of Animals, with Observations and Reflections: The Fifth Scholium”, traduzido por Thomas Henry Huxley, p. 186-237, in Arthur Henfrey & Thomas H. Huxley (editores), Scientific Memoirs: Selected from the Transactions of Foreign Academies of Science and from Foreign Journals: Natural History (London, 1853; reimpresso em 1966 por Johnson Reprint Corporation, New York); a passagem citada por Darwin está na p. 210;
Jane M. Oppenheimer, “An Embryological Enigma in the Origin of Species”, p. 221-255, in Jane M. Oppenheimer, Essays in the History of Embryology and Biology (Cambridge, MA: The M.I.T. Press, 1967).
18. Timothy Lenoir, The Strategy of Life (Chicago: The University of Chicago Press, 1982), p. 258; Frederick B. Churchill, “The Rise of Classical Descriptive Embryology”, p. 1-29, in Scott F. Gilbert (editor), A Conceptual History of Modern Embryology (Baltimore, MD: The Johns Hopkins University Press, 1991), p. 19, 20.
19. Coyne, Why Evolution Is True, p. 77-79.
20. Simon Conway Morris, “Fossil Embryos”, p. 703-711, in Claudio D. Stern (editor), Gastrulation: From Cells to Embryos (Cold Spring Harbor, NY: Cold Spring Harbor Laboratory Press, 2004).
21. Walter Garstang, “The theory of recapitulation: a critical restatement of the biogenetic law”, Journal of the Linnean Society (Zoology), 35 (1922): 81-101.
22. Vide capítulo cinco e as referências que se seguem in Wells, Icons of Evolution;
vide capítulo três e as referências que se seguem in Wells, The Politically Incorrect Guide to Darwinism and Intelligent Design.
23. Michael K. Richardson, J. Hanken, M. L. Gooneratne, C. Pieau, A. Raynaud, L. Selwood & G. M. Wright, “There is no highly conserved embryonic stage in the vertebrates: implications for current theories of evolution and development”, Anatomy & Embryology 196 (1997): 91-106; Michael K. Richardson, citado in Elizabeth Pennisi, “Haeckel’s Embryos: Fraud Rediscovered”, Science 277 (1997):1435; Stephen Jay Gould, “Abscheulich! Atrocious!”, Natural History (March, 2000), p. 42-49; “Hoax of Dodos” (2007), disponível online (2009) aqui.
24. Coyne, Why Evolution Is True, p. 78, notas.
25. Darwin, The Origin of Species, capítulos XIV (p. 402) e XV (p. 420); disponível online (2009) aqui.
26. Darwin, Charles, The Descent of Man, First Edition (London: John Murray, 1871), capítulo I (p. 27), disponível online (2009) aqui; Kohtaro Fujihashi, J. R. McGhee, C. Lue, K. W. Beagley, T. Taga, T. Hirano, T. Kishimoto, J. Mestecky & H. Kiyono, “Human Appendix B Cells Naturally Express Receptors for and Respond to Interleukin 6 with Selective IgA1 and IgA2 Synthesis”, Journal of Clinical Investigations 88 (1991): 248-252, disponível online (2009) aqui; J. A. Laissue, B. B. Chappuis, C. Müller, J. C. Reubi & J. O. Gebbers, “The intestinal immune system and its relation to disease”, Digestive Diseases (Basel) 11 (1993): 298-312, abstract disponível online (2009) aqui; Loren G. Martin, “What is the function of the human appendix?”, Scientific American (October 21, 1999), disponível online (2009) aqui.; R. Randal Bollinger, Andrew S. Barbas, Errol L. Bush, Shu S. Lin & William Parker, “Biofilms in the large bowel suggest an apparent function of the human vermiform appendix”, Journal of Theoretical Biology 249 (2007): 826-831, disponível online (2009) aqui;
Duke University Medical Center, “Appendix Isn’t Useless At All: It’s A Safe House For Good Bacteria”, ScienceDaily (October 8, 2007), disponível online (2009) aqui.
27. Steven R. Scadding, “Do ‘vestigial organs’ provide evidence for evolution?”, Evolutionary Theory 5 (1981): 173-176; Bruce G. Naylor, “Vestigial organs are evidence of evolution”, Evolutionary Theory 6 (1982): 91-96; Steven R. Scadding, “Vestigial organs do not provide scientific evidence for evolution”, Evolutionary Theory 6 (1982): 171-173.
28. Coyne, Why Evolution Is True, p. 61, 62.
29. Coyne, Why Evolution Is True, p. 46.
30 Coyne, Why Evolution Is True, p. 81.
31. Susumu Ohno, “So much ‘junk’ DNA in our genome”, Brookhaven Symposia in Biology 23 (1972): 366-70; Richard Dawkins, The Selfish Gene (New York: Oxford University Press, 1976), p. 47.
32. Coyne, Why Evolution Is True, p. 66, 67.
33. Alguns dos muitos artigos científicos publicados desde 2003 que documentam a função do tão chamado DNA “lixo” são: E. S Balakirev & F. J. Ayala, “Pseudogenes: are they ‘junk’ or functional DNA?”, Annual Review of Genetics 37 (2003): 123-151; A. Hüttenhofer, P. Schattner & N. Polacek, “Non-coding RNAs: hope or hype?”, Trends in Genetics 21 (2005): 289-297; J. S. Mattick & I. V. Makunin, “Non-coding RNA”, Human Molecular Genetics 15 (2006): R17-R29; R. K. Slotkin & R. Martienssen, “Transposable elements and the epigenetic regulation of the genome”, Nature Reviews Genetics 8 (2007): 272-285; P. Carninci, J. Yasuda & Y Hayashizaki, “Multifaceted mammalian transcriptome”, Current Opinion in Cell Biology 20 (2008): 274-80; C. D. Malone & G. J. Hannon, “Small RNAs as Guardians of the Genome”, Cell 136 (2009): 656–668; C. P. Ponting, P. L. Oliver & W. Reik, “Evolution and Functions of Long Noncoding RNAs”, Cell 136 (2009): 629–641.
Nota do blog Desafiando a Nomenklatura Científica: “Quando em 1998 eu apontava as fraudes e as distorções de evidências científicas a favor da evolução para alguns dos expoentes autores de livros-texto de Biologia do ensino médio, recebi um e-mail de um deles, meu amigo, informando que a fraude dos desenhos dos embriões de Haeckel era do conhecimento da maioria dos biólogos! Mas ele não entrou em detalhes sobre a motivação por que eles eram utilizados pelos autores. Motivação científica ou ideológica? Na análise crítica que submeti ao MEC, em 2003 e 2005, foram destacadas essas fraudes e as distorções das evidências científicas a favor do ‘fato’ da evolução. Dos autores analisados, somente Amabis e Martho retiraram as fraudes, mas não explicitaram por que o fizeram. Com o descaso do MEC/SEMTEC/PNLEM para o que foi apresentado como desonestidade acadêmica da parte desses autores, não acompanhei mais a abordagem da evolução nesses livros didáticos. Pobres estudantes, estão sendo fraudados há um século; nota bene: um século!”