Dialética erística


Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre
 
Estratagemas dialéticosNa obra, Schopenhauer distingue os seguintes estratagemas dialéticos:

[editar] 1) “Ampliação indevida”

”Levar a afirmação do adversário para além de seus limites naturais, interpretá-la do modo mais geral possível, tomá-la no sentido mais amplo possível e exagerá-la. Restringir, em contrapartida, a própria afirmação ao sentido mais estrito e ao limite mais estreito possíveis. Pois quanto mais geral uma afirmação se torna, tanto mais ataques se podem dirigir a ela.” [3] Exemplo:

A diz que as drogas devem ser legalizadas. B, então diz que, como os traficantes usualmente cometem homicídios, seqüestros, extorsões, etc, se as drogas forem legalizadas, os bandidos serão anistiados de todos esses crimes. Comentário: o argumento a favor da legalização propõe a anistia de um único crime: o comércio de determinadas substâncias. Nada foi dito em relação aos demais crimes, pois supõe-se que estes devam permanecer proibidos.

[editar] 2)”Homonímia sutil”

“Usar a homonímia para tornar a afirmação apresentada extensiva também àquilo que, fora a identidade de nome, pouco ou nada tem em comum com a coisa de que se trata; depois refutar com ênfase esta afirmação e dar a impressão de ter refutado a primeira.”[4] Exemplo:

Em artigo de 5/11/2010[5], Reinaldo Azevedo comenta o filme “Tropa de Elite 2”. No filme, o protagonista, Coronel Nascimento, refere-se diversas vezes ao “sistema”, o qual se propõe combater. Azevedo conclui, a partir disso, que o personagem passou a usar o discurso de esquerda, a qual também se propõe combater o tal “sistema”. Comentário: A esquerda usa a palavra “sistema” para se referir ao “sistema capitalista”[carece de fontes?], que consiste do livre mercado, propriedade privada, busca do lucro, etc. Já o Coronel Nascimento usa a mesma palavra para tratar da cultura da imoralidade e da impunidade, que permite que o crime se alastre, contando com o apoio de políticos e policiais corruptos, além dos próprios intelectuais de esquerda, que enxergam nos criminosos ora heróis, ora vítimas da sociedade capitalista.

[editar] 3)”Mudança de modo”

“A afirmação que foi apresentada em modo relativo … é tomada como se tivesse sido apresentada em modo absoluto, universalmente …, ou pelo menos é compreendida em um sentido totalmente diferente, e assim refutada com base neste segundo contexto.” [6] Isto faz com que “o adversário, na realidade, fala de uma coisa distinta daquela que se havia colocado. Quando nos deixamos levar por este ‘’estratagema’’, cometemos, então, uma ‘’ignoratio elenchi’’ (ignorância do contra-argumento).” [7]

[editar] 4)”Pré-silogismos

“Se queremos chegar a uma certa conclusão, devemos evitar que esta seja prevista, e atuar de modo que o adversário, sem percebê-lo, admita as premissas uma de cada vez e dispersas sem ordem na conversação”.[8] Segundo Olavo de Carvalho, esta técnica é comumente usada em processos “de manipulação da opinião pública”.[8]

[editar] 5)”Uso intencional de premissas falsas

Pode-se, para comprovar as próprias “proposições, fazer antes uso de proposições falsas, se o adversário não quiser aceitar as verdadeiras, seja porque percebe que delas a tese será deduzida como conseqüência imediata. Então adotaremos proposições que são falsas em si mesmas mas verdadeiras ‘’ad hominem’’, e argumentaremos ‘’ex concessis’’, a partir do modo de pensar do adversário.” [9]

[editar] 6)”Petição de princípio oculta”

“Ocultamos uma ‘’petitio principii’’, ao postular o que desejamos provar: 1) usando um nome distinto … ou ainda usando conceitos intercambiáveis …; 2) fazendo com que se aceite de um modo geral aquilo que é controvertido num caso particular …; 3) se, em contrapartida, duas coisas são consequência uma da outra, demonstraremos uma postulando a outra; 4) se precisamos demonstrar uma verdade geral e fazemos que se admitam todas as particulares (o contrário do número 2).” [10]

[editar] 7)”Perguntas em desordem”

“Quando a disputa é conduzida de modo rigoroso e formal e queremos fazer com que nos entendam com perfeita clareza, então aquele que apresentou a afirmação e deve prová-la procede contra o adversário fazendo perguntas para concluir a verdade a partir das próprias concessões do adversário.” E: “Fazer de uma só vez muitas perguntas pormenorizadas, e assim ocultar o que, na realidade, queremos que seja admitido”. [11]

[editar] 8)”Encolerizar o adversário”

“Provoca-se a cólera do adversário, para que, em sua fúria, ele não seja capaz de raciocinar corretamente e perceber sua própria vantagem.” [12]

[editar] 9)”Perguntas em ordem alterada”

“Fazer as perguntas numa ordem distinta da exigida pela conclusão que dela pretendemos, com mudanças de todo gênero; assim, o adversário não conseguirá saber aonde queremos chegar e não poderá prevenir-se.”[13]

[editar] 10)”Pista falsa”

“Se percebemos que o adversário, intencionalmente, responde pela negativa às perguntas cuja resposta afirmativa poderia confirmar nossas proposições, então devemos perguntar o contrário da proposição que queremos usar, como se quiséssemos que fosse aprovada, ou então, pelo menos, por as duas à escolha, de modo que não se perceba qual delas queremos afirmar.”[13]

[editar] 11)”Salto indutivo

Se o adversário já aceitar casos particulares, não “perguntar-lhe se admite também a verdade geral” derivada dos casos particulares; introduzi-la “como se estivesse estabelecida e aceita”.[14]

[editar] 12)”Manipulação semântica

Associar a um termo um conjunto de significados diferentes do original. Com isso, o termo já conterá, em si, a conclusão a que se quer chegar.

[editar] 13)”Alternativa forçada”

Apresentar ao adversário uma alternativa menos provável que sua própria.[15]

[editar] 14)”Falsa proclamação de vitória”

Veja: Falácia da falsa proclamação de vitória

[editar] 15)”Anulação do paradoxo

Para triunfar, faz-se uma redução ad absurdum.

[editar] 16)”Várias modalidades do argumentum ad hominem

Usar argumentos anteriormente defendidos pelo adversário para tentar refutar a tese presente. Exemplo:

Em um debate sobre cotas raciais em uma TV do Rio de Janeiro, Rodrigo Constantino comenta que Thomas Sowell fez um estudo sobre as ações afirmativas ao redor do mundo e constatou que elas só trouxeram mais desigualdade e privilégios para negros ricos. A réplica do adversário foi dizer que Thomas Sowell era ligado a um grupo da Universidade Stanford que apoia o Partido Republicano. Comentário: Segundo o critério do debatedor, o fato de alguém apoiar um determinado partido político de que se discorda é o suficiente para invalidar suas conclusões científicas.

[editar] 17)”Distinção de emergência”

Salvar-se “mediante alguma distinção sutil, na qual não havíamos pensado anteriormente, caso a questão admita algum tipo de dupla interpretação ou dois casos diferentes.”[16]

[editar] 18)”Uso intencional da mutatio controversiae

Estratagema que consiste em “interromper o debate a tempo” quando se está ameaçado de ser abatido, sair do debate “ou desviá-lo e levá-lo para outra questão”.[17]

[editar] 19)”Fuga do específico para o universal”

Por exemplo, “se temos de dizer por que uma determinada hipótese física não é crível, falaremos da incerteza geral do saber humano, ilustrando-a com toda sorte de exemplos.”[18]

[editar] 20)”Uso da premissa falsa previamente aceita pelo adversário”

Trata-se de “um uso da ‘’fallacia non causae ut causae’’”.[19]

[editar] 21)”Preferir o argumento sofístico

No debate com um adversário, a escolha de um (simples) argumento do tipo ad hominem pode ser mais eficaz do que tentar persuadir o adversário mediante longas explicações “sobre a verdadeira natureza das coisas”.[20]

[editar] 22)”Falsa alegação de petitio principii

Alegar que o adversário está fazendo uma petitio principii quando ele quer que admitamos algo que leve à formulação do problema.

[editar] 23)”Impelir o adversário ao exagero”

No calor do debate, levar o adversário a exagerar suas posições. Como o exagero costuma levar a contradições, podemos refutar essas contradições como se estivéssemos refutando o argumento original.

[editar] 24)”Falsa reductio ad absurdum

Tirar falsas conclusões absurdas dos argumentos do adversário. Com isso, refutam-se essas conclusões, fazendo tudo parecer uma reductio ad absurdum.

[editar] 25)”Falsa instância”

Usar um argumento que apenas parece contrário àquele que o adversário enunciou.

[editar] 26)”Retorsio argumenti

Usar o argumento do adversário contra ele próprio, quando isso for possível.

[editar] 27)”Usar a raiva”

Quando o adversário fica irritado com algum argumento nosso, devemos insistir nesse ponto, porque provavlemente ali há uma inconsistência.

[editar] 28)”Argumento ad auditores

Apresentar uma objeção falsa, mas cuja falsidade somente poderia ser percebida por um auditório capacitado no assunto em questão. Exemplo:

Todos os argumentos de ONGs e ambientalistas, que dizem que é preciso reduzir a emissão de gás carbônico a fim de reduzir o efeito estufa (e, consequentemente o aquecimento global). Comentário: As causas do aquecimento global (e até a própria existência de tal fenômeno) é um ponto de divergência entre os próprios cientistas que estudam o assunto. Mas o argumento é sempre apresentado à plateia leiga como fato consumado e sem margem para dúvidas.

[editar] 29)”Desvio”

Mudar de assunto fingindo que ainda se está rebatendo a questão do adversário. Ou mesmo, de modo insolente, atacar o adversário pessoalmente.

[editar] 30)”Argumentum ad verecundiam

Citar autoridades no assunto para refutar uma tese. Este estratagema funciona tanto melhor quanto menores forem os conhecimentos do adversário a respeito do que disse a autoridade invocada e quanto maior for a veneração dele diante de tal autoridade.

[editar] 31)”Incompetência irônica

Fingir que não entendeu o que o adversário disse e declarar isso ironicamente. Nas circunstâncias certas, isso faz o adversário parecer um idiota que não sabe organizar o raciocício ou que está simplesmente declarando algo patentemente falso.

[editar] 32)”Rótulo odioso”

Estratagema que visa reduzir uma afirmação do adversário “a uma categoria geralmente detestada”. Exemplo:

Nos debates dos candidatos à presidência da República Federativa do Brasil em 2010, a candidata Dilma Rousseff usou várias vezes um argumento ad hominem para desqualificar o adversário atribuindo-lhe o rótulo de “privatista”[carece de fontes?]. Comentário: como a palavra “privatização” está arraigada na mente dos brasileiros como uma espécie de roubo das riquezas brasileiras (não obstante o aumento de riqueza que as privatizações de fato proporcionaram[21]), os argumentos de José Serra já eram “refutados” in limine. Este exemplo é uma combinação dos estratagemas 32 e 12.

[editar] 33)”Negação da teoria na prática”

Aceitar os fundamentos de um argumento, mas negar que eles possam ser colocados em prática. Exemplo:

A diz que o Estado deve proibir as armas de brinquedo, pois estas estimulam a violência nas crianças. B contesta dizendo que, mesmo que isso seja verdade, é dever dos pais fazer essa vigilância. A rebate em tom irônico: “Ah, se na prática fosse assim…”. Comentário: o tom irônico é fundamental para dar força a este estratagema. O sarcasmo ajuda a esconder o sofisma: se na prática os pais não são capazes de cuidar de seus próprios filhos, tanto menos será o Estado, que tem provado consistentemente sua incompetência em toda as áreas, em particular na educação das crianças.

[editar] 34)”Resposta ao meneio de esquiva”

Estratagema que prevê não dar informação direta, mas esquivar-se com contraperguntas ou respostas indiretas.

[editar] 35)”Persuasão pela vontade”

Estratagema que funciona quando estão em jogo os interesses do adversário. Esse estratagema torna, nas poucas circunstâncias que funciona, todos os outros estratagemas supérfluos.[22]

[editar] 36)”Discurso incompreensível”

“Desconcertar, aturdir o adversário com um caudal de palavras sem sentido. Isto baseia-se em que, ‘normalmente o homem, ao escutar apenas palavras, acredita que também deve haver nelas algo para pensar’ (Goethe, ‘’Fausto’’”[23] (Veja, a esse respeito, por exemplo, as críticas de Alan Sokal contra o chamado Pós-modernismo.)

[editar] 37)”Tomar a prova pela tese”

Quando o adversário usa uma prova ruim para defender uma ideia valida, podemos nos aproveitar disso e provar que a ideia é invalida, a julgar pela refutação da tese apresentada. Um exemplo que Schopenhauer cita é o do argumento ontológico, como prova da existência de Deus.

[editar] 38)”Último estratagema: Ofensas pessoais”

Atacar o adversário pessoalmente, com grosseria e agressividade, quando o debate se mostra de todo perdido.

[editar] Crítica à edição de Olavo de Carvalho

Ao longo de suas notas e comentários, Olavo de Carvalho cai, ele mesmo, nas armadilhas erísticas de Schopenhauer: Quando Carvalho diz a respeito do estratagema 33 (“Isso pode ser verdade em teoria; mas na prática é falso”) que se trataria de uma “das sentenças prediletas do argumentador brasileiro em geral”, seria possível dizer que ele comete de ontologizar o “brasileiro” como se isso existisse; o problema corresponderia, portanto, a uma manipulação semântica (entre outras coisas hipotéticas, talvez).

[editar] Referências

  1. Arthur Schopenhauer. Como vencer um debate sem precisar ter razão – em 38 estratagemas (Dialética Erística). Introdução, Notas e Comentários de Olavo de Carvalho. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. Capa do livro.
  2. Arthur Schopenhauer. Como vencer um debate sem precisar ter razão – em 38 estratagemas (Dialética Erística). Introdução, Notas e Comentários de Olavo de Carvalho. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. p.95.
  3. ’’idem’’, p.124.
  4. ’’idem’’, p.128.
  5. Reinaldo Azevedo. Capitão Nascimento foi fazer Ciências Sociais na USP ou na UnB e já está pronto para ser militante do PSOL. Que pena!.
  6. ’’idem’’, p.132-133.
  7. ’’idem’’, p.134.
  8. a b ’’idem’’, p.134-135.
  9. ’’idem’’, p.136.
  10. ’’idem’’, p.137-138.
  11. ’’idem’’, p.139.
  12. ’’idem’’, p.140.
  13. a b ’’idem’’, p.141.
  14. ’’idem’’, p.142.
  15. ’’idem’’, p.145.
  16. ’’idem’’, p.149.
  17. ’’idem’’, p.150.
  18. ’’idem’’, p.150-151.
  19. ’’idem’’, p.151.
  20. ’’idem’’, p.152.
  21. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1160
  22. ’’idem’’, p.176.
  23. ’’idem’’, p.178-179.

[editar] Bibliografia

[editar] Ligações externas

 
[Esconder]

v • e

Arthur Schopenhauer

Livros Sobre a Raiz Quádrupla do Princípio da Razão Suficiente · O Mundo como Vontade e Representação · Sobre a Liberdade da Vontade  · Sobre as Bases da Moralidade  · Parerga e Paralipomena Schopenhauer
Crítica Filosofia kantiana · Esquemas de Kant · Provas do postulado das paralelas
Filosofia Anti-natalismo · Estética · Dilema da marmota · A Arte de Ter Razão

Não será permitido neste blog, insultos, palavrões, ataques pessoais, caso essas regras não sejam seguidas não perca seu precioso tempo postando comentário. Qualquer comentário que violar a política do blog será apagado sem aviso prévio. Na persistência da violação o comentador será banido.